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Iniciativa prevê mais proteção para crianças, idosos e pessoas com deficiência

Ramiro Lourenço, advogado Era&Nagoshi Sociedade de Advogados

6 de out. de 2023

PROPOSTA DE LEI PARA AUMENTAR A PENA:

 

Recentemente, no dia 29/09/2023, foi aprovado o projeto de lei que aumentaria as penas para os crimes de maus-tratos. A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) analisou a versão apresentada pelo Relator, deputado Lucas Redecker (PSDB-RS), sendo que a proposta de lei ainda deverá ir ao Plenário para votação.

 

A proposta apresentada pelo deputado tem o condão de aumentar a reclusão de:

 

·       1 a 5 anos a pena no caso de maus-tratos sem agravantes,

·       2 a 6 anos quando houver lesão corporal grave,

·       6 a 12 anos no caso de morte.

 

Além disso a pena será aumentada de 1/3 a 2/3 quando o crime for praticado contra criança, adolescente, pessoa idosa ou com deficiência.

 

Enquanto o texto atual prevê as seguintes penas:

 

·       detenção de 2 meses a 1 ano ou multa nos casos de maus-tratos sem agravantes,

·       reclusão de 1 a 4 anos quando houver lesão corporal grave,

·       reclusão de 4 a 12 anos em caso de morte.

 

Já existe a hipótese de aumento da pena em 1/3 nos casos em que o crime é práticado contra pessoa com menos de 14 anos de idade.

 

O QUÊ O LEGISLADOR QUER DIZER COM ISSO?

 

Com essas novidades nas disposições legislativas relacionadas a esfera penal, faz-se importsnte uma análise um pouco mais crítica do delito e seus impactos na sociedade atual, e também entender o que o legislador está querendo evidenciar alterando as disposições vigentes.

 

Nesse aspecto, é importante evidenciar que no ano de 2022 um número estrondoso de 22.527 (vinte e duas mil quinhentas e vinte e sete) crianças e adolescentes foram vítimas de maus-tratos (conforme Anuário Brasileiro de Segurança Públca).

 

O delito em comento, ou seja, o mau-trato, conforme disposição da literatura legislativa, consiste em expor a perigo a integridade física de uma pessoa, naõ se restringindo a qualquer classe de indivíduos (crianças, idosos, carcerários etc), na realidade o delito abrange todos esses indíviduos.

 

Portanto, em que pese espante o número de crianças e adolescentes que foram vítimas de maus-tratos, os números do delito em face de pessoas idosas também causam alerta, haja vista que das mais de 35 mil denúnciais de violações de direitos humanos ocorridas em 2022, 87% (oitenta e sete por cento) destas ocorreram contra pessoas idosas.

 

Além disso, o número de ocorrências de maus-tratos contra pessoas com deficiência praticamente triplicou de 2020 para 2021, conforme números apresentados pelo Instituto Jô Clemente.

 

Extraí-se dessas informações que a prática desse delito está em constante crescimento, ocorrendo ainda mais denúncias dos últimos anos para os tempos atuais, motivo que faz o legislador pensar em soluções para resolver tais questões, sendo a atitude de mais curto prazo a alteração da legislação para ampliar a punição relativa a prática delituosa.

 

O CRIME DE MAUS-TRATOS NO DIREITO PENAL:

 

O delito em questão, como já dito, é um crime contra a integridade física da vítima, sendo que o tipo penal tem o condão de tutelar o bem jurídico “vida”, e consequentemente a saúde e integridade corporal.

 

O trecho da lei que tipifica o crime de maus-tratos é o artigo 136, do Código Penal, e tem a seguinte disposição:

 

“Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina.”

 

Assim, o caput, deste artigo expõe as formas pelas quais a conduta é praticada, separando-a em quatro diversos modos, quais sejam:

 

1. Pela privação de alimentos, em que a privação pode ser absoluta, quando o autor não dá nenhuma comida à vítima, ou ou relativa, quando a vítima recebe comida insuficiente. Em qualquer hipótese, só haverá o crime se a vítima não puder, por seus próprios meios, obter alimentação, seja pela idade ou por sua condição física. No caso de privação absoluta de alimentos, por um período considerável de tempo, o crime que se configura é o homicídio, tentando ou consumado.

 

2. Quando existe a privação de cuidados indispensáveis, trata-se da privação cuidados relacionados à saúde da vítima, que não tem condições de se cuidar sozinha. Como privar de higiene, de agasalho no frio, de banho de sol, quando necessário.

 

3. O crime também se da quando existe a sujeição a trabalhos excessivo ou inadequados, sendo que trabalhos excessivos diz respeito à quantidade de trabalho, como a criança que é obrigada a trabalhar durante muitas horas, e inadequado relaciona-se à natureza do trabalho, que não é apropriado àquela pessoa. Assim, uma criança que é obrigada a trabalhar durante muitas horas, auxiliando sua mãe a lavar louça, é submetida a trabalho excessivo. A natureza do serviço não é incompatível com a idade da criança, mas a quantidade de horas, sim. Por outro lado, uma criança que é obrigada, pelo pai, a trabalhar em uma carvoaria, é submetida a um trabalho inadequado.

 

4. Por fim, a legislação traz o abuso dos meios de disciplina e correção, sendo que esse modo de execução do crime é um dos mais controvertidos. Corretivos que eram considerados válidos décadas atrás, hoje seria visto como um ato de inominável violência nos dias de hoje. Além disso, em razão da diversidade cultural existente em um país com dimensões continentais como o Brasil, há diversas visões sobre a melhor forma de se educar, especialmente a criança. Por outro lado, o crime exige que a vida ou a saúde da vítima seja exposta a perigo.

 

O crime de maus-tratos não admite a modalidade culposa, ou seja, o tipo subjetivo é o dolo, seja ele direto ou eventual. Portanto, é necessário que o autor do crime tenha a consciência de que está expondo a vítima a uma situação perigosa.

 

Importante mencionar que, em que pese seja necessário que o autor tenha a consciência de que está expondo a vítima a uma situação perigosa, não se faz necessário que exista o dolo em causar sofrimento, conforme entendimento da jurisprudência:

 

“Pelo delito do art. 136 do CP responde o progenitor que, embora agindo sem propósito de crueldade, acorrenta filha ao pé da cama, para evitar que ela saia de casa em más companhias durante sua ausência” (TACRIM-SP – AP – Rel. Xavier Homrich – JUTACRIM 32/343).

 

Assim, o crime consiste no ato de expor a vida de alguém a perigo, quando esta pessoa está sob seus cuidados.

 

CONCLUSÃO:

 

Portanto, sob o manto das movimentações no Poder Legislativo com relação ao crime de maus-tratos, resta evidente que a prática do delito vem crescendo, gerando desconforto a populção, razão pela qual será votada em plenário o projeto de alteração de Lei.

 

A dúvida que resta é: O aumento da pena é efetivo para conter a prática criminosa?

 

O aumento de pena já é uma prática muito utilizada pelo legislador brasileiro, que insiste em adotar essa prática a fim de reduzir a criminalidade, todavia, evidente que se trata de um meio que durante todos esses anos não vem apresentando os resultados esperados, já que, de modo geral, as práticas criminosas estão aumentando constantemente.

 

Reforça-se que essa estratégia de “endurecimento do sistema penal”, por meio de alterações legislativas para aumentar o tempo de pena dos tipos penais, vem sendo utilizada desde de a Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90), todavia, a criminalidade, desde aquela época somente aumentou.

 

Assim, fica o questionamento, talvez a atuação do Poder Legislativo tivesse maior efetividade, caso fosse no sentido de buscar dar ferramentas ao Poder Judiciário, para que seja mais célere e demonstre maior certeza da punição.

 

Afinal, em que pese o texto de lei aponte um tempo de pena extravagante, sabe-se que na prática inexiste uma certeza de punição, sendo certo que, além disso, o sistema carcerário se encontra em ruinas, e já, a muito tempo, vem perdendo o seu papel ressocializador.

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